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Anjos existem


Escute o áudio narrado por Adaury Farias


Eu deveria ter uns 10 anos de idade.

Ao lado da minha casa morava Sra. Suerda, a dona do puteiro mais chic de Macapá.

Eu e outros moleques da mesma idade subíamos nas árvores do quintal da minha casa, mas que ficavam ao lado e nos fundos da casa dela, pra tentar ver as “meninas” da Suerda que passavam o dia lá se recuperando do trabalho noturno.

Era só tempo perdido.

Nunca víamos nada, claro né? elas passavam o dia dormindo pra ir trabalhar a noite.

Toda tarde subíamos no cajueiro, que era bem alto e que ficava nos fundos e que dava pra ver a cozinha e área de serviço, depois subíamos na árvore de pau ferro, mais frondosa e cheia de galhos, que ficava ao lado da casa dela e que dava para ver as janelas dos quartos, mas as janelas eram de venezianas com tela e também não dava pra ver nada.

Num dia à tardinha, ainda aprendendo andar de bicicleta, aquela famosa Monark, bicicleta de mulher, que não tinha o varão no meio e era fácil de pedalar, tinha aprendido a me equilibrar e, morrendo de medo resolvi dar a volta no quarteirão.

Juro que foi coincidência.

Vinha pedalando feliz da vida sem pensar em nada, pela lateral da rua, essa rua só tinha um pouco de “piche” por onde os automóveis passavam e as laterais eram de piçarra solta, e, passando bem na frente da casa da cafetina, escorreguei, a corrente da bicicleta caiu e minha perna ficou engatada entre a coroa e a corrente.

Esfolou toda minha fina canela de moleque de 10anos.

Abri o berreiro e não conseguia tirar a perna entre a corrente e a coroa, não passava ninguém na rua pra me socorrer. E dor aumentando...

Quando me espantei, chegaram duas das “meninas” da Suerda para me socorrer, só de camisola transparente.

Me carregaram para dentro da casa, e eu chorando, mas de olho arregalado, vendo as “meninas” naquele estado de pura liberdade.

Putz! Que alegria. Ou putz! Que dor! Não sabia bem qual sensação era maior!

Mesmo assim eu chorava pra não ter de ir embora, e fiquei lá no sofá e elas cuidando de mim, eu já meio refeito do acidente, comecei a me fazer homenzinho.

Passaram mertiolate, aquele de antigamente, doía pra cacete, mas eu não reclamei nadinha.

Passava pela minha imaginação que elas poderiam me levar pro quarto, pra cuidar melhor de mim. Que doidera!

Pense numa queda dolorida que me deixou feliz. O que queda abençoada.

Achei até que tinha batido a cabeça e estava meio doido.

Depois que sai de lá, corri pra junto da turma que subia nas árvores junto comigo para tentarmos brechar as “meninas” da Suerda, falei o que tinha acontecido, morreram de inveja, tomaram a bicicleta da minha mão e fizeram fila pra ficar passeando na frente da casa da cafetina, talvez torcendo pra que acontecesse o mesmo acidente que houve comigo.

E nada! Nenhum acidente.

Nunca mais elas apareceram na porta.

Acho que não eram putas da cafetina, eram “anjas” que vieram me socorrer.

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